Era Uma Vez... Iansã
- Casa de Caridade Gauisa
- 11 de nov. de 2021
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Iansã ou Oyá é um Orixá feminino, sincretizado no Catolicismo na figura de Santa Bárbara. Popularmente, a conhecemos como a orixá guerreira, a divindade dos ventos, raios e das tempestades, senhora dos Eguns, os espíritos desencarnados.
Seu nome, Iansã, significa “a mãe do entardecer”, em referência ao céu rosado poente... Era como Xangô a chamava, pois dizia que ela era radiante como o entardecer.
Na África, era cultuada como a divindade do Rio Níger, o mais importante rio da Nigéria, por atravessar todo o país e espalhar-se pelas principais cidades através de seus afluentes. Por esse motivo tornou-se conhecido com o nome Odô Oya, já que ya, em iorubá, significa rasgar, espalhar.
A espada, o raio, a borboleta, os chifres de búfalo e o eruexin (bastão metálico com pelo de cavalo ou búfalo na extremidade) são ao principais símbolos de Iansã. Mas como podemos saber da origem dos elementos que compõem os mistérios dessa yabá? Por que uma borboleta e não uma coruja representam essa divindade? De onde vem a simbologia dos chifres de búfalo?
Bem, toda a narrativa que compreende os Orixás vem dos Itans. “Itàn” é o termo em iorubá para o conjunto de todos os mitos, canções, histórias e outros componentes culturais dos iorubás. Os itans são passados oralmente de geração para geração, perpetuando-se ao longo dos tempos, com a função de explicarem a simbologia entre a energia e os poderes e domínios de cada Orixá.
Uma de suas muitas histórias nos conta que Iansã era na verdade um búfalo e que Ogum a flagrou tirando a pele de búfalo para entrar no rio e banhar-se. Logo acabou apaixonando-se por ela e escondeu a pele de búfalo na mata. Ela se entregou à sedução de Ogum e decidiu seguir com ele para o seu reino, com a promessa de que ele jamais revelaria o segredo do búfalo. Passado um tempo, após terem tido seus nove filhos, as outras mulheres do reino, enciumadas, embriagaram Ogum, que acabou revelando o segredo de Iansã. Então, as mulheres passaram a ridicularizar Iansã, que, tomada de ira, transformou-se em búfalo, matando todas elas. Consternada com a situação dos filhos das mulheres mortas, Iansã retirou seus chifres e os entregou, dizendo que sempre que se sentissem em perigo e ameaçados, que eles esfregassem um chifre no outro e que ela viria imediatamente ao socorro deles. Eis porque dois chifres de búfalo estão sempre no altar de Iansã.
Outra história que merece destaque envolve o orixá Obaluaê. Certa vez aconteceu uma festa na aldeia, com a presença de todos os orixás. Obaluaê, envergonhado com suas feridas pelo corpo, ficou à espreita num canto e não entrou para dançar. Ogum, percebendo a angústia de Obaluaê, cobriu seu corpo com uma roupa de palha e o seu rosto com um capuz, e o convidou para aproveitar o festejo. Apesar de envergonhado, ele entrou na festa mas nenhuma mulher se aproximou e quis dançar com ele. Apenas Iansã se compadeceu da situação de Obaluaê e aproximou-se, mostrando alegria e contentamento. Nesse momento, ela soprou fortemente as palhas de seu corpo e, com o vento, suas feridas começaram a pular, transformadas em uma chuva de pipocas, que se espalharam pelo chão. Assim, Obaluaê, o orixá das doenças, tornou-se um jovem belo e encantador, sendo admirado por todos. Para mostrar sua gratidão à Iansã, ele resolveu dividir com ela o seu reino, dando à ela o poder sobre os mortos. À partir daí ela passou a dançar com um eruexin, uma espécie de “espanta-mosca”, que conduz os eguns para o outro mundo. Daí Iansã ser a rainha do espírito dos mortos, a condutora dos eguns.
Em outro de seus mitos, Iansã era companheira de Ogum, mas encantou-se por Xangô e abandonou Ogum, que a perseguiu. Ambos brigaram e Ogum cortou Iansã em nove pedaços, e esta dividiu-o em sete partes. Apesar disso, ela não cedeu à vontade de Ogum e permaneceu firme no seu propósito de seguir Xangô.
Conta-se, também, que quando Iansã se transformou em Orixá, ela apareceu para Oxum em forma de borboleta em tons de rosa, representando a transformação, o renascimento e a liberdade de ir e vir.
Esses são alguns itans que compreendem o universo dessa orixá guerreira, que aprendeu com cada orixá masculino uma técnica, um poder diferente, para que alcançasse sua independência e plenitude perante todos. Ao final de suas conquistas e aquisições, Iansã partiu para o reino de Xangô, passando a viver com ele e, consequentemente, a ter sob seu domínio, o poder da justiça e a força dos raios.
Os vários itans existentes dão origem a várias qualidades de Iansã. As principais são:
Oyá Petu – ligada à Xangô, é a Oyá dos raios.
Oyá Onira – rainha da cidade de Ira, a doce guerreira ligada às águas de Oxum.
Oyá Bagan – ligada à Oxóssi, é a Oyá dos ventos e dos estreitos das matas.
Oyá Senó ou Sinsirá – Oyá raríssima, ligada à Iemanjá e Airá.
Oyá Kará – ligada à Xangô, ao fogo.
Oyá Balé – vive com os eguns, ligada à Oxalá, Nanã e ao vento do bambuzal.
Segundo o autor Alexandre Cumino “Iansã é o Trono Feminino da Lei. Absorve o desequilíbrio na lei de forma ativa, reconduzindo o ser ao equilíbrio. Possui um fator direcionador, ajuda a encaminhar as pessoas, mostrando-lhes o caminho certo a seguir. É a mais guerreira de todos os orixás femininos, atuando no sentido da justiça junto de Xangô, e na lei com Ogum. Seu elemento é o ar (vento) que movimenta e sustenta o fogo, uma vez que ela é movimento o tempo todo.”
Refletindo sobre esse universo mítico, podemos depreender que Iansã traz a energia eólica da transformação para as nossas vidas, movimentando tudo aquilo que precisa ser renovado, alcançado. Assim como o fogo, ela é capaz de transmutar o que estiver estagnado, levando rapidez de raciocínio e energia propulsora para as mudanças necessárias. Com os seus raios, corta o que não faz mais sentido à nossa existência, limpando, com as águas de suas tormentas, os nossos caminhos.
Portanto, aos seus filhos e à quem clama sua intercessão, Iansã ensina a ter coragem e bravura, a não se intimidar perante os obstáculos e revezes da vida. Ao contrário do que muito se propaga, Iansã não briga despropositadamente. Tendo um objetivo, ela parte para a luta, não sem impor o gosto da luta com boa valentia, ensinando a cair se necessário mas, sobretudo, ensinando a se levantar, muito mais forte e mais experiente, como uma grande guerreira deve ser.
Todo o nosso respeito, reverência e admiração por Iansã se traduzem nessa linda canção do grupo musical Rosa Amarela:
CANTO DE OYÁ
Sou feita de vento
De fogo e de aço
Não me perturba o mau tempo
Do Tempo renasço
Entre matas, estradas e bambuzais
Eu passeio onde ninguém vai
Minha mãe me ensinou
A ser brisa quando puder
E também me deu
A valentia de mil búfalos em uma mulher
Me faço no tempo
Na sombra do espaço
Meu caminho não é lento
Sou impulso, sou rastro
Os raios no céu são portais
Que me levam onde ela está
Minha mãe me ensinou
A ser brisa quando puder
E também me deu
A valentia de mil búfalos em uma mulher
Hey....
Oyá borboleta
Iansã minha rainha
Oyá borboleta
Tua força também é minha
Oyá, tua força tem 9 mistérios
Oyá, em tua essência divina eu me entrego
Oyá, o teu canto que corre no vento
Fazendo o tempo parar
Oyá, com você me envolvo nessa dança
Oyá, o teu fogo renova esperança
Oyá, tempestades, rajadas de vento
Força que faz transformar
Hey...
Epahey, Oyá!
Sua benção, minha mãe!
Texto: Alessandra Vanzillotta médium da Casa de Caridade Gauisa
Fontes de pesquisa:
Deus, Deuses, Divindades e Anjos, de Alexandre Cumino.
Ori Axé – A dimensão arquetípica dos Orixás, de José Jorge de Morais Zacharias.