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O que representa EXU para a Umbanda? É Orixá? É Deus? É o diabo?

Atualizado: 15 de dez. de 2022

O Exu é, sem dúvida nenhuma, uma das entidades espirituais mais incompreendidas da Umbanda, despertando a curiosidade das pessoas e até mesmo o medo. Há quem diga que Exu é Deus. Há quem afirme que Exu é um Orixá. E há, também, quem sustente que Exu é o próprio Diabo. Esta confusão é natural, se considerarmos a falta de conhecimento geral, a existência de diversos registros que abordam diferentes visões do Exu e, principalmente, o preconceito enraizado em torno de sua figura desde os tempos remotos da escravidão. Mas, afinal, o que representa Exu para a Umbanda?

Para responder essa pergunta, precisamos entender, inicialmente, a origem do Exu no continente africano. No caso, sua crença (com esse nome) teve início nos mitos do povo iorubá, grupo étnico da África onde atualmente estão localizados a Nigéria, Benin, Togo, Costa do Marfim e Gana. Dentro da religião iorubá, o Exu é cultuado como um Orixá, ou seja, uma divindade.

Neste particular, é importante esclarecer que o conceito de “divindade” está vinculado a uma característica divina ou a uma das formas em que Deus se manifesta ou se apresenta e, portanto, não se confunde com o Próprio. Na religião iorubá, o Deus supremo é Olorum (Olórun), também chamado de Olódùmarè. Já os Orixás, como já mencionado anteriormente, são divindades que, de modo geral, estão associadas a elementos e forças da natureza, a atividades ou eventos, a rios, vilas, cidades. É difícil apontar um número exato dessas divindades na África, já que muito se perdeu com o passar do tempo, principalmente em razão da escravidão.

Para os iorubás, o Exu é considerado o Orixá da comunicação e da linguagem, exercendo um papel medianeiro entre os seres humanos (no plano material ou Aiyé) e as demais divindades (no plano espiritual ou Òrun). Por esse motivo, é o Exu quem recebe primeiro as oferendas, encaminhando-as a quem de direito. No idioma iorubá, Exu significa “esfera”, ou seja, que é infinito, sem início ou fim. Ele também é referido como o dono dos caminhos, do movimento e do princípio dinâmico da vida. Sua ligação à fertilidade fez com que algumas imagens suas fossem apresentadas com representações fálicas.

Uma das lendas (ou itans) mais conhecidas sobre a criação do mundo conta que Olorum teria incumbido Oxalá (Obatalá) de tal missão. Todavia, após olvidar o conselho de Orumilá para entregar uma oferenda a Exu antes de iniciar tal tarefa, Oxalá acabou sendo ludibriado. Exu, que usou seus poderes para causar sede em Oxalá, teria lhe oferecido vinho em vez de água, fazendo-o adormecer. Enquanto Oxalá estava literalmente apagado, Exu providenciou a entrega de todas as oferendas cabíveis e executou, ele próprio, a missão de criar o mundo que havia sido antes confiada a Oxalá, o primeiro dos Orixás. Possivelmente, quem associa Exu a Deus toma por base os relatos deste famoso itan. Mas não há dúvida de que Exu foi apenas um instrumento na criação do mundo, não sendo crível confundi-lo com o próprio Deus Supremo.

Este mito da criação do mundo traça um perfil mais traquina e irreverente do Exu. Porém, há muitas outras histórias relacionadas ao Exu que revelam faces bem diferentes, sendo algumas desordeiras, vingativas, vaidosas, egocêntricas e desestabilizadoras. É nesta grande variedade de personalidades que Exu aparece como a própria contradição.

Os nagôs (designação dada aos negros escravizados que falavam o idioma iorubá) trouxeram a crença em Exu para o Brasil Colônia. A proibição que, de modo geral, era imposta aos escravos de cultuar suas divindades e a catequização forçada pela igreja católica fez com que o Orixá Exu fosse percebido por aspectos múltiplos e contraditórios.

Nos candomblés, por exemplo, Exu manteve-se como Orixá da comunicação e ganhou, também, a característica de protetor dos terreiros e de seus filhos, como verdadeiro guardião. Nestes terreiros, também se apresenta como Orixá da fertilidade, da prosperidade, da boa sorte nos negócios, da ordem e da disciplina. As cerimônias candomblecistas são abertas com o Padê de Exu, que agencia a boa vontade dos Orixás que serão invocados durante o culto.

O nome e as características de Exu podem variar de acordo com as nações do candomblé. No caso, Exu é nome adotado no Candomblé de Nagô (Èsú ou Exu). Outros nomes conhecidos são: Aluvaiá (Angola), Bombojira (Congo), Bará (Batuque e Ijexá), Celebogum (Xambá), Ibarabô (Ketu) e Legbá (Jeje e Fon). As denominações de origem iorubá acabaram, de certa forma, prevalecendo nas terras brasileiras, muito provavelmente porque a grande massa de escravos trazidos para o país no final do período de escravidão eram oriundos deste povo.

A associação de Exu à figura de um guardião da luz pode gerar controvérsias. Tal posição é defendida por grandes doutrinadores umbandistas, passando por Rubens Saraceni, Rivas Neto, Alexandre Cumino, dentre outros. A designação como guardião está ligada a sua face impiedosa e vingativa presente em vários itans do mito africano, que lhe dá um viés de guerreiro, combatente, dono de todos os caminhos, bem como ao fato de exercer suas funções na Umbanda em campos de atuação com energias densas, literalmente nas trevas, como veremos adiante. De modo algum, o reconhecimento de Exu como guardião afeta a função desempenhada pelos falangeiros de Ogum (sincretizado com São Jorge), como soldados executores e garantidores da lei.

Nas quimbandas, o Exu é trabalhado de uma forma bem diferente da Umbanda e dos cultos de matrizes africanas. Não há pretensão de discutirmos as diferenças entre quimbanda (com “qu”), kimbanda (com “k”) ou kiumbanda (de “kiumba”) neste texto. De modo geral, podemos afirmar que os Exus desta linha realizam trabalhos espirituais que não obedecem aos preceitos fundamentais da Umbanda ou de quaisquer religiões. Via de regra, essas entidades atuam mediante a entrega de oferendas, num contexto amoral (que não se confunde com o termo “imoral”).

A relação de Exu com as oferendas, tanto no Candomblé, quanto na Quimbanda, revela bem o seu entendimento acerca do princípio da reciprocidade. Esse é um dos motivos que leva o Exu a ser percebido de forma equivocada dentro da Umbanda, até mesmo por alguns praticantes e simpatizantes da religião.

Há, por exemplo, pontos cantados que contam histórias de Exu e o Diabo, que parecem não guardar relação com a religião umbandista. De certo, não houve intenção de permitir uma associação de malignidade típica da visão católica ao Exu. Acreditamos que ideia original de tais pontos cantados, mais condizente com os princípios da Umbanda, seria destacar a possibilidade que todos nós, pecadores, temos de se converter para o bem e trabalhar em prol da caridade, até mesmo o próprio Diabo (neste caso, fazendo referência à imagem católica do próprio Satanás). Sem dúvida, essa é uma questão bastante polêmica.

O Exu que se manifesta dentro da Umbanda não é o Orixá. As entidades espirituais que atuam nesta religião sob tal nome são, na verdade, falangeiros que representam um determinado tipo de padrão vibratório de energia. Essas energias são classificadas por alguns doutrinadores como sendo a linha de esquerda da Umbanda, o pólo negativo, que não tem nenhuma relação com o mal. A linhagem de esquerda guarda total relação com a lei de polaridade dos princípios herméticos, estabelecidos bem antes das grandes religiões do planeta, revelando que “(...) tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados”. O positivo e o negativo são meras convenções da corrente elétrica, assim como o claro e o escuro são manifestações da luz e o amor e o ódio são graus diferentes de um mesmo sentimento.

A linha de esquerda da Umbanda reúne, além dos Exus, uma série de outras entidades espirituais, como pombogiras (ou pombagiras, ambas as palavras como corruptelas de Bombojira) e exus-mirins.

Consideramos importante fazer um aparte na questão que se refere às pombogiras. Muitas vezes, elas acabam sendo retratadas como a representação feminina dos Exus. Acreditamos que essa designação é muito pobre para definir estas entidades espirituais, que assumem um papel de libertação das mulheres na sociedade diante da desigualdade imposta pelos homens. O seu estereótipo de prostituta revela todo o preconceito presente na sociedade e os desafios enfrentados pelas mulheres desde os tempos remotos. Mais uma vez, a Umbanda vem para dar voz aos oprimidos, tal como ocorreu na sua fundamentação (pelo espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas). O arquétipo das pombogiras mostra o caráter subversivo das regras que determinam a submissão da mulher. A sexualidade e a sedução, no caso, denotam relevantes fatores de transgressão e inversão de papéis. Seria necessário, portanto, um texto inteiro para falarmos dessas entidades. Mas, nesta oportunidade, optamos terminar por aqui.

O campo de atuação dos falangeiros da linha de esquerda é mais denso, com frequências vibratórias diferentes dos espíritos que atuam na linha de direita. Tais entidades caminham nas trevas sim, mas para combater o mal, resgatando almas, desfazendo trabalhos de magia, quebrando desequilíbrios, em busca de sua evolução moral. Não é por outro motivo que a roupagem fluídica dessas entidades, ou seja, a forma como se apresentam visualmente (para médiuns videntes e no plano astral), segundo o arquétipo tradicional, engloba imagens, símbolos e elementos que podem confundir e até mesmo aterrorizar aqueles que não conhecem suas funções. Dentre tais representações, destacamos: caveiras, capas, cartolas, tridentes, espadas, fogo, terra, etc. As vestimentas dessas entidades costumam ser pretas e vermelhas.

Boa parte dos doutrinadores umbandistas classifica os Exus pelos campos de sua atuação, denominados reinos. Segue, abaixo, uma das classificações adotadas:

  • REINO DAS ENCRUZILHADAS – atuam nas passagens que levam a todos os caminhos. Pertencem a este reino: Exu Tranca Ruas, Exu Marabô, Exu Tiriri, Exu Veludo, Exu Morcego, Exu Sete Encruzilhadas, Exu Mirim, dentre outros.

  • REINO DOS CRUZEIROS – atuam nos cruzeiros. Pertencem a este reino: Exu Tranca Tudo, Exu Mangueira, Exu Kaminaloá, Exu Meia Noite, dentre outros.


  • REINO DAS MATAS – atuam nas matas. Pertencem a este reino: Exu das Matas, Exu Sete Cobras, Exu Sete Pedras, Exu Arranca Toco, dentre outros.


  • REINO DA CALUNGA PEQUENA – atuam nos cemitérios. Pertencem a este reino: Exu Caveira, Exu Capa Preta, Exu Porteira, dentre outros.


  • REINO DAS ALMAS – atuam em locais altos. Pertencem a este reino: Exu Giramundo, Exu Sete Montanhas, dentre outros.


  • REINO DA LIRA – atuam em locais relacionados à arte, música, boemia, poesia, artes ciganas, malandragem. Pertencem a este reino: Exu Lúcifer, Exu Malé, Exu Sete Liras, Exu Zé Pelintra, Exu do Cabaré, Exu Ganga, Exu Cigano, dentre outros.


  • REINO DA CALUNGA GRANDE – atuam nas praias, perto da água (salgada ou doce) ou dentro dela. Pertencem a este reino: Exu dos Rios, Exu das Cachoeiras, Exu Pedra Preta, Exu do Lodo, Exu Baiano, Exu Marinheiro, dentre outros.

Apesar de atuarem em campos de energia mais densa, os Exus da Umbanda também atuam na vibração dos Orixás. Podemos identificar seus respectivos padrões energéticos pelos nomes que essas entidades se apresentam. Neste particular, recomendamos a leitura do artigo publicado por Alexandre Cumino, no blog Umbanda EAD, que aborda essa questão da seguinte maneira:

(...) para interpretar os nomes, precisamos da chave interpretativa, que é a correta relação entre os elementos dos nomes e seus Orixás correspondentes (...) Também é preciso conhecer os fatores, verbos e ações relacionados aos Orixás, como por exemplo: cortar, arrancar, romper, abrir, trancar, girar, virar. Desta forma, identificamos, por exemplo, a quem pertence o fator “abrir”, que é de Ogum e que dá origem às linhadas de Abre Caminho (Ogum/Ogum), Abre Rio (Ogum/Oxum), Abra Matas (Ogum/Oxossi), Abre Tudo (Ogum/Oxalá), Abre Cemitério (Ogum/Obaluayê). Com a identificação do elemento principal, como “pedra” (Oxum) ou “Pedreira” (Iansã), vamos localizando o campo de atuação: Pedra Preta (Oxum/Omulu), Pedra de Fogo (Oxum/Xangô), ou Pedreira das Almas (Iansã/Obaluayê), Pedreira de Ferro (Iansã/Ogum), Pedreira de Ouro (Iansã/Oxum)”. (https://umbandaead.blog.br/2017/10/07/de-qual-orixa-e-o-meu-exu)

Mas, por qual motivo Exu é invariavelmente associado ao Diabo? A demonização do Exu teve início ainda na África, com a chegada dos traficantes de escravos, que não compreendiam as representações fálicas desse Orixá. Este foi, portanto, o início da interferência da visão católica na imagem do Exu.

É importante salientar que a religião iorubá sequer faz essa diferenciação entre o bem e o mal na leitura dos arquétipos de seus Orixás, de modo que a visão diabólica e maligna do Exu é resultado exclusivo da influência da visão ocidental católica.

No Brasil Colônia, a escravidão imposta pela coroa portuguesa e legitimada pela Igreja Católica resultou na catequização forçada dos africanos trazidos para trabalhos forçados e desumanos nas grandes fazendas do país, em substituição aos escravos indígenas.

A falta de conhecimento e compreensão acerca da mitologia iorubá, associada a interesses escusos de legitimação de ações de natureza indubitavelmente dissociadas da religião, fazia com que alguns padres católicos defendessem que os africanos cultuavam o demônio em sua terra natal. Alegavam, portanto, que a escravidão era apenas um castigo de Deus para tal subversão. A proibição imposta aos africanos de cultuarem suas divindades e a catequização forçada caminhava para uma perda do simbolismo religioso.

Apesar de tudo, os negros africanos conseguiram reconstruir seus universos sagrados realizando, inicialmente, alguns cultos africanos que abordavam, especialmente, o curandeirismo e a magia, como forma de tratar seu lado espiritual. Posteriormente, como ação estratégica de sobrevivência às perseguições da Igreja Católica, que os via como verdadeiros concorrentes da fé, passaram a sincretizar os Orixás com santos católicos.

É neste cenário que a figura de Exu foi ligada ao Diabo. As representações fálicas do Exu na África foram suficientes para categorizá-lo como diabo sensualizador, incentivador do sexo desenfreado, contrário à visão conservadora e moralista que vigorava naquela época. Forjada ao longo dos séculos, a distorção implementada pela igreja católica na imagem do Exu e dos cultos africanos, de modo geral, ainda se faz presente em nossa sociedade, alimentando a intolerância religiosa e o preconceito.

Se considerarmos que o sincretismo busca uma correlação de doutrinas religiosas diferentes para reinterpretação dos seus elementos comuns, vemos uma justificativa plausível para a escolha de Santo Antonio para sincretizar com Exu na Umbanda: a sua popularidade dentre os fiéis. Ambos são muito populares junto a seus seguidores. Ademais, é inegável que o santo casamenteiro da igreja católica possui fortes ligações com questões mais humanas, assim como Exu, cujo padrão vibratório é definido com base em energias mais densas, bastante próximas a dos seres encarnados. Isso sem falar na sua relação de Exu com questões vinculadas à prosperidade material e ao sucesso dos negócios terrenos. Outro elemento comum entre ambos é o fogo. Nas festas comemorativas de Santo Antonio, é comum a presença de fogueiras. O fogo é um dos elementos da natureza associado diretamente a Exu.

Assim, respondendo especificamente a pergunta feita no início deste texto, podemos afirmar que, na Umbanda, os Exus são entidades espirituais da linha de esquerda, que atuam em campos de energia mais densa, exercendo diversas funções, em especial a que nos permite a relação divina, como medianeiros dos planos físico e espiritual. São verdadeiros guardiões da luz, que trabalham em locais onde as trevas ainda prevalecem. São falangeiros que também atuam na vibração dos Orixás e estão buscando sua ascensão moral pela prática de ações voltadas para o bem e a caridade.

Laroyê, Exu! Mojubá!


Foto: umbandaead.blog.br

 
 
 
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